domingo, 29 de setembro de 2013

A Arte da Felicidade 2

Minhas conversas com o Dalai-Lama no Arizona haviam começado com a discussão das origens da felicidade. E, apesar de ele ter escolhido viver a vida como monge, estudos já revelaram que o casamento é um fato que pode, com efeito, gerar a felicidade – proporcionando intimidade e os laços firmes que promovem a saúde e a satisfação geral com a vida. Houve milhares de pesquisas realizadas com americanos e com europeus que provam que, em geral, as pessoas casadas são mais felizes e mais satisfeitas com a vida do que os solteiros ou os viúvos – ou especialmente em comparação aos divorciados ou separados. Uma pesquisa descobriu que seis em cada dez americanos que classificam seu casamento como “muito feliz” também classificam sua vida no todo como “muito feliz”. Ao examinar o tópico dos relacionamentos humanos, considerei importante levantar a questão dessa fonte comum de felicidade.

Minutos antes da entrevista marcada com o Dalai-Lama, eu estava sentado com um amigo num pátio do hotel em Tucson, tomando refrigerante. Quando mencionei os tópicos do romantismo e do casamento, que pretendia trazer à baila na entrevista, meu amigo e eu logo começamos a nos queixar da vida de solteiro. Enquanto conversávamos, um casal jovem de aparência saudável, talvez jogadores de golfe, que estava ali passando férias felizes no auge da estação de turismo, sentou-se a uma mesa próxima. Seu casamento aparentava já ter uma certa duração – talvez não estivessem mais em lua-de-mel, mas ainda eram jovens e sem dúvida apaixonados. Deve ser bom, pensei.

Mal estavam sentados e começaram a implicar um com o outro.
- ... Eu lhe disse que íamos nos atrasar! – disse a mulher em tom ácido de acusação, com a voz surpreendentemente rouca, a aspereza de cordas vocais curtidas em anos de cigarro e álcool. – Agora mal temos tempo para comer. Não posso nem saborear a comida!
- ... Se você não tivesse demorado tanto para se aprontar... – retrucou o homem automaticamente, em tom mais baixo, mas com cada sílaba carregada de irritação e hostilidade.
- Eu estava pronta há meia hora. Foi você quem teve de acabar de ler o jornal... – foi a réplica.

E assim prosseguiu a conversa. Sem trégua. (...)
A discussão, que ia se acirrando rapidamente, encerrou de vez com nossas lamentações quanto à vida de solteiro. (...)

Apenas momentos antes, eu tinha a intenção de iniciar nossa sessão com um pedido de que o Dalai-Lama desse sua opinião sobre as alegrias e as vantagens do romantismo e do casamento. Em vez disso, entre na suíte e, quase antes de me sentar, já lhe fiz uma pergunta.
- Por que o senhor supõe que seja tão freqüente o surgimento de conflitos nos casamentos?


* Continua...

terça-feira, 24 de setembro de 2013

A Arte da Felicidade - Dalai-Lama

Todos os dias deparamos com inúmeras decisões e escolhas.(...)
Em todos os séculos, homens e mulheres dedicaram grande esforço à tentativa de definir o papel adequado que o prazer desempenharia na nossa vida – uma verdadeira legião de filósofos, teólogos e psicólogos, todos estudando nossa ligação com o prazer.(...)
Nenhum de nós realmente precisa de filósofos gregos, de psicanalistas do séc. XIX ou de cientistas do séc. XX para nos ajudar a entender o prazer. Nós sabemos quando sentimos. Nós o reconhecemos no toque ou no sorriso de um ser amado, na delícia de um banho quente de banheira numa tarde fria e chuvosa, na beleza de um pôr-do-sol. Entretanto, muitos de nós também conhecem o prazer no arroubo frenético da cocaína, no êxtase da heroína, na folia de uma bebedeira, na delícia do sexo sem restrições, na euforia de uma temporada de sorte em Las Vegas. Esses também são prazeres muito verdadeiros – prazeres com os quais muitos na nossa sociedade precisam aprender a conviver.
Embora não haja soluções fáceis para evitar esses prazeres destrutivos, felizmente temos por onde começar: o simples lembrete de que o que estamos procurando na vida é a felicidade. Como o Dalai-Lama salienta, esse é um fato inconfundível. Se abordarmos nossas escolhas na vida tendo isso em mente, será mais fácil renunciar a atividades que acabam sendo prejudiciais, mesmo que elas nos proporcionem um prazer momentâneo. O motivo pelo qual costuma ser tão difícil adotar o “É só dizer não!” encontra-se na palavra “não”. Essa abordagem está associada a uma noção de rejeitar algo, de desistir de algo, de nos negarmos algo.
Existe, porém, um enfoque melhor: enquadrar qualquer decisão que enfrentemos com a pergunta “Será que ela me trará felicidade ou apenas prazer?”. Essa simples pergunta pode ser uma poderosa ferramenta para nos ajudar a gerir com habilidade todas as áreas da nossa vida. Ela permite que as coisas sejam vistas de um novo ângulo. Lidar com nossas decisões e escolhas diárias com essa questão em mente desvia o foco daquilo que estamos nos negando para aquilo que estamos buscando – a felicidade. Uma felicidade definida pelo Dalai-Lama como estável e persistente, um estado de felicidade que, apesar dos altos e baixos da vida e das flutuações normais do humor, permanece como parte da própria matriz do nosso ser. A partir dessa perspectiva, é mais fácil tomar a “decisão acertada” porque estamos agindo para dar algo a nós mesmos, não para negar ou recusar algo a nós mesmos – uma atitude de movimento em direção a algo, não de afastamento; uma atitude de união com a vida, não de rejeição a ela. Essa percepção subjacente de estarmos indo na direção da felicidade pode exercer um impacto profundo. Ela nos torna mais receptivos, mais abertos, para a alegria de viver.